quinta-feira, novembro 19, 2009

Do consultório para o mosteiro.

Já estava estirado naquele divã há alguns minutos, no mais absoluto e profundo silêncio. Dava até para ouvir a respiração da Dra. Ana Lisa. Nesse meio tempo, fiquei me perguntando o que ela teria de diferente hoje. Explico: assim que ela me recebeu no consultório, alguma coisa no olhar da doutora despertou minha atenção; não conseguia definir bem mas, com certeza, o olhar não era o mesmo.
- Dedé, agora pode começar a falar. - Subitamente ela interrompeu meus pensamentos - Esse silêncio é necessário para que o senhor possa ordenar suas idéias e expor melhor suas preocupações, assim fica mais fácil ajudá-lo a encontrar a origem do que o está perturbando, certo?
- Certo, mas eu já falei tanto de minha vida, infância... adolescência... parece até que o assunto, que sou eu mesmo, já se esgotou, quer dizer, não teria mais nada a acrescentar.
- Aí é que o sr. se engana. Fique sabendo que, a cada sessão, quem freqüenta a terapia, sempre trás alguma coisa nova. Pode até ser o mesmo problema, mas é lembrado de outra forma, sob um novo enfoque e isso é muito importante para o profissional.
- Tudo bem, concordo com a senhora mas, no momento, o problemático não sou eu. - Ela ficou em silêncio - O que me deixa estressado é minha dificuldade em aceitar e conviver com certos tipos de acontecimentos que estão nas manchetes dos jornais, isso me perturba e muito. - Ela continuava em silêncio.
- É o Suplicy vestindo cueca vermelha por cima da roupa; é o apagão, o viaduto do Rodoanel caindo; a PM procurando ladrões na casa errada; a Geisy, a moça do mini-vestido na faculdade; o governo querendo transformar a CPI do MST em CPI do produtor rural...
- Um instante, por favor, Dedé (ela até esqueceu do “seu”). Esse tema já foi abordado em outra sessão, lembra? Essas questões atuais fazem parte da vida de todos nós. É assim que as coisas acontecem e nós, cidadãos, devemos participar, debater, ora criticando ora elogiando. – Só faltava ela dizer que “assim caminha a humanidade”... – E prosseguiu - Tudo isso faz parte do relacionamento humano: política, negócios, comportamento social. Há quem goste de ser alienado mas, pelo que eu sei, esse não é o seu perfil.
- Bem, doutora, acho que agora a senhora pegou pesado – Tentei dialogar ou mudar de assunto, ainda estava curioso por saber o que havia de diferente nela e que tanto chamara minha atenção, mas ela não deu chance.
- Agora, se o senhor insiste em viver à parte, longe dos problemas que fazem parte de nosso mundo, se quer tranqüilidade, vá para bem longe, por exemplo, para o Himalaia, procure um mosteiro e fique por ali com os monges, despreocupado, relaxado, orando, fazendo sua meditação e cantando seus mantras e dando sua contribuição nenhuma para a sociedade.
Depois dessa, levantei, caminhei para a porta e me voltando, não resisti à curiosidade e indaguei:
-Doutora, por favor, desculpe não tem nada a ver com o assunto, mas percebi alguma coisa diferente hoje assim que cheguei, não sei... parece que... seu olhar está mais brilhante, seus olhos estão ainda mais claros...
-Pôxa, o sr. repara em tudo hein seu Dedé! - Disse ela quase sorrindo - Não é nada em especial. Apenas fiz a cirurgia para corrigir minha miopia, não uso mais as lentes de contato. Satisfeito?
Só restou me despedir e sair entoando OHM, OHM, OHM, OHM, não sem antes ouvir, pela porta entreaberta, a última advertência da doutora Ana Lisa : “Só espero que nenhum chinês vá importuná-lo, eles adoram os tibetanos!"

Um comentário:

  1. Sou fã da Dra. Ana Lisa. Quando eu tiver um parafuso solto vou procurá-la. Difícil, para nós, é reconhecer a necessidade, certo? Abraço, Dedé...cadas. Sucesso com o blog.

    ResponderExcluir