CRÔNICAS ESQUECIDAS.

A PROMESSA DO PAIXÃO


Provavelmente você nunca ouviu falar do filme “Musica e Lágrimas” sucesso dos anos 1950 e tampouco conheceu James Stewart, um dos ícones de Hollywood, que interpretou Glenn Miller, um dos mais famosos bandleaders e trombonista, claro... depois do Paixão.

Corria o mês de agosto e os cines São José e D.Pedro na rua Campos Mello, em Santos, com lotação esgotada na soirée das quintas-feiras e nas matinês dominicais para assistir o “ Música e Lágrimas”.  Os corações suspiravam e os namorados trocavam beijos furtivos no escurinho, depois que o “chato” lanterninha passava fiscalizando os casais. Entretanto, na rua Borges a questão era outra e o assunto mais comentado no bar do Gordo era: “A promessa do Paixão”. O “nego” Paixão, o mais famoso trombonista que a Villa Macuco conheceu, por que não dizer que a Terra da Caridade e da Liberdade já conheceu.  Estivador, grevista corajoso, passista, apreciador da Brahma e do Morrão (a “branquinha”,”água que passarinho não bebe”). Requisitado e disputado pela escola de Samba X-9 e Escola de Samba Brasil, mas figura titular do Bloco da rua Borges, amado e respeitado na Villa.
Promessa fácil de ser realizada, subir o morro da padroeira Nossa Senhora do Monte Serrat pela escadaria. Porém o difícil, quase impossível, “a seco”. A SECO?  Sim. Sem a branquinha? Subir o morro a pé e ainda, em cada parada da via sacra, tocar uma marchinha de carnaval, não era proeza pra qualquer soprador de trombone. Pelo menos duas correntes de opiniões estavam definidas. A turma do Peixe Bagre, com Badalhoca, Papagaio e o Careca, apostavam que ele não subiria os quatrocentos degraus até a igrejinha da Padroeira, com seus noventa quilos em cima das pernas bambas: “Tá muito gordo”.  O pessoal do Arildo, onde faziam coro Sete Pulinhos e o próprio Gordo, apostavam que o repertório de marchinhas carnavalescas do trombonista não era aquilo tudo. “Samba de gafieira é o forte dele”.
Mas havia os pessimistas radicais, como Bicudo Bate Pau e Navalhada que não acreditavam na abstinência do crioulo até o final do dia. “Duvido ele é dos nossos”.
_Se bem conheço a peça, ele não vai agüentar e digo por experiência própria. Uma semana sem minha Brahma é de lascar. - Bicudo abria o jogo.
_Ele tem estado aqui diariamente. É só Guaraná. - afirmava o Gordo.
Sim, ele tem resistido bem. No Zanzibar, onde ele toca até às quatro...água mineral cumpadre!  - Careca elogiava o comportamento da fera!
_Que fique em segredo!
_Como assim?
_Ele não vai cumprir este sacrifício sozinho não, o pessoal está combinando dar um apoio moral. Vamos subir juntos!
_Mas, não de bondinho. Aí é sacanagem.É  a  pé, né?
Ao meio-dia, a concentração no bar do Gordo estava completa. Às duas horas a roda de samba já estava formada à espera do pagador de promessa.
Paixão morava num porão da Borges, vizinho da casa do Careca. Os dois chegaram juntos. Ele sempre de chapéu Panamá, o instrumento na mão e cara de invocado.
_Escuta aqui, este problema é só meu.
_O pessoal chegou espontaneamente. Queremos dar a maior força   -  argumentava o Arildo.
_É isso mesmo e mais, o pessoal aqui tem promessas a pagar, não é mesmo?- contemporizou Sete Pulinhos.
_ÉÉÉÉÉÉÉ!   - todos em coro.
_Paixão!  Você bem sabe que há uma semana não puxo o baseado.Tenho resistido bem e quero agradecer à padroeira. Prometi que subiria pela escadaria     - disse, com expressão séria, Badalhoca.
_ A minha prece à senhora do Monte Serrat foi ouvida domingo, quando o alvi- negro da Vila perdia de dois a zero do Timão. O que aconteceu? Ganhamos de três a dois, com dois do Pagão  - revelou com religiosidade o Papagaio.
Paixão balançava a cabeça e levantando os braços, já perdendo a calma perguntou: Quer dizer que essa malandragem toda fez promessa?
_Sim, senhor! Tu não acredita no poder da fé?
_Tu tá é querendo chantagear.
_Sem  essa  Paixão! Deixa a rapaziada abrir o coração. - conciliou Navalhada.
_Tudo bem. Puxou a latinha de rapé do bolso do paletó. Abriu cuidadosamente. Pegou com o indicador e polegar um fragmento do afrodisíaco e levou ao buraco de suas enormes fossas nasais. Fungou.  -Este é do bom.
Virou-se para o Bicudo  -Cumpadre Jóca trouxe de Macaíba.
_ Bem, a minha promessa demorou vinte e cinco anos. Vou pagar junto com você, mano  - disse Peixe Bagre, com olhos piedosos. Encostou a cabeça no ombro do Paixão e desabafou:  -Minha santa mãezinha, quando aos dez anos eu tirei aqueles ferros da perna e comecei a andar, prometeu que um dia eu subiria as escadarias e deixaria  o horrível aparelho na sala dos milagres. Puxou o aparato de metal debaixo da mesa e jogou em cima da mesa.
Aquele gesto comoveu a rapaziada e convenceu Paixão que todos ali tinham promessas a pagar e portando iriam com ele.
Ouviu-se a marcação do surdo, depois os tamborins, pandeiro e frigideira. E todos num coro, desfilaram empolgando a vizinhança em direção ao ponto de parada do bonde 5 - Villa Macuco, ponto final Praça Mauá, centro.
Você consegue ouvir? Não.
-Eu ouço com o coração.
Sorte de quem esteve lá. Quem não viu, não verá jamais, É uma pena!
Osmar Gomes da Silva - autor de "Rumo ao Paraíso e Outras Histórias".

A BORBOLETA HELENA

“Sabe... aquele cheiro delicioso de pastel quentinho?

Eu olhava. As pessoas comiam com prazer. Ela percebeu. Passou sua mão em meus cabelos.
-Filho!...  tenho apenas o trocado para o bonde”
Ela dizia que voava. 
-Você não acredita, ando tão depressa, vou e volto voando.                                                   
Podia caminhar, ir onde quisesse.  No posto de saúde, fazer exames médicos, ela sempre soube se cuidar.  
Visitar a Cici, também. 
Passava horas conversando com a amiga Cici. Almoçava, tomava o café da tarde, jantava e dormia no apartamento da Cici. Infelizmente, naquela primavera, a Cici morreu. A vida da Mami também mudou. Ficou um vazio no coração dela. Saudade da Cici... Outono, Inverno, novamente Primavera e a saudade, lentamente, sendo superada.
Malgrado a aparente tranqüilidade, agora, outras dificuldades: as pernas, a visão. Imperava a verdade do tempo que passava. A doença dos ossos se agravando e a impedindo de caminhar. Ela sofria. Ele sofria.
-Mamãe, vou comprar uma bengala, você precisa andar e agora só com bengala.
­-Isso eu não vou usar, não adianta, não me acostumo. - Ela detestava a bengala. Carinhosamente e nervosamente ele tentava convencê-la.
-Mami, você tem que usar a bengala, é para seu bem e se você não andar, vai ficar entrevada e vai acabar numa cadeira de rodas!
Daí em diante ela passou a usar a bengala.
-Agora você tem que sair com a bengala, tem que andar, andar e andar.
-Eu sei... eu sei filho.
Mas era um esforço sobre humano. Tinha dores nos quadris, deformados pela descalcificação. Quantas vezes ele a encontrou no meio da quadra, encostada no muro da casa da vizinha, descansando. Respiração ofegante. Sempre com aquele sorriso meigo que ele ainda hoje vê nas Helenas que encontra pelas esquinas da vida!
_Desculpe senhora! Por favor, por um momento pensei ser uma pessoa querida... 
Afastava-se com os olhos embaçados e aquela forte emoção banhando seu velho rosto. 
-Desculpe, desculpe! Parava para se recompor.
Ela perguntava com orgulho.
-Então estou indo bem, contente com meu progresso?
-Sim, está mamãe, muito bem! Vamos juntos segure-se em mim.
Pouco tempo depois, chegou a cadeira de rodas. “Sim, a maldita cadeira de rodas!” Então, ele a empurrava na cadeira para todo o lado, ele a ajudava nas refeições, na hora de ir para a cama. Ele dava banho na Mami! Sim, ele nunca mais a deixou! Tinha todo o tempo do mundo para ela.
Mas, certa tarde, durante o banho...
-Venha ver uma coisa - ela chamou.
-Sente alguma coisa embaixo do braço, Mami? Dor? Perguntou.
Ela balançou a cabeça, mas uma sombra passou nos olhos dele. Era preciso levá-la ao médico com urgência.
Foram seis meses ou mais de sofrimento, tentando destruir aquele tumor. Radioterapia, Quimioterapia.
O doutor voltou para a sala com uma expressão séria.
-Sinto muito, ela não passa desta noite, disse.
Ficou praticamente mudo, engasgava as palavras. Levou o doutor até a porta com lágrimas nos olhos. Uma noite que ele não mais esquece.
-Mami, como você esta? Sente dor?  -  Ela estava em pele e ossos. Magra, definhando dia a dia.
-Não filho. É pena que eu não possa andar como antes. Eu voava! Sabe... eu voava. Sua voz vinha baixa e a respiração forte.
-Sim, eu sei Mami! Tinha lágrimas nos olhos. Desviou o rosto.

Segurou suas mãos frias, magras. Balançou a cabeça. Saiu para o corredor, depois para o outro quarto. 
Era tarde, ele não dormiu. Podia ouvir a respiração forte. Respiração da morte. Passou-se um tempo infinito. Subitamente, ele se levantou assustado, não ouvia mais nenhum som. Seguiu pelo pequeno corredor iluminado em direção ao banheiro. Agora era um longo corredor, infinito corredor. Sentiu-se perdido no espaço-tempo da sua própria existência.
O quarto na penumbra. A porta aberta, mas ele não entrou. Sentiu medo. Os olhos desviaram-se  para a iluminada parede externa do banheiro. No alto, lá estava: A borboleta Helena!
Com o coração apertado voltou para o quarto.
O sofrimento tinha terminado. O rosto magro. Os cabelos brancos, acariciou-os. Retirou os óculos, ela não ia precisar mais.
Tinha um buraco no estômago e uma dor no peito. Sufocou um soluço. Abaixou a cabeça. 
Quando saiu, a Borboleta Helena tinha desaparecido.
“Mami queria voar”
Ela voara. Sim, ela voou.
Abril, de um certo ano, na solidão de um velho.
Osmar Gomes da Silva - autor de "Rumo ao Paraíso e Outras Histórias".
                                    
O PIRATA SPIELBERGEN.

Tram! Tram!...tram!... tram!.tram! tram!

Terminou a costura na máquina Singer. Aparou com a tesoura as sobras de linha. Admirou satisfeita a fantasia terminada. Era carnaval.

_Mazinho! Vem aqui. É pra você!

_Pirata?  - ficou fascinado.

_Sim, e com esta espada de madeira, igual ao Spielbergen.

_Vó, exclamou, que Spiel é esse?

_É uma longa história...

_Se for bonita conta  -disse com curiosidade.

_Muito bem! Há muito tempo atrás... Pensou

_Há muito tempo atrás...
Uma nuvem colorida envolveu aquele quarto da frente. Aquele sobrado da rua Borges. O bairro operário, Villa Macuco, a molecada jogando bola na rua, o bonde 5, as matinês do domingo no cinema D.Pedro,  as garotas cheirando à loção Colônia, as fantasias para o carnaval no Coliseu. O tempo passado, o espelho, a janela lateral, a fotografia amarelada, aquele sorriso...


 _Em uma manhã ensolarada, os moradores da orla marítima avistaram uma grandiosa galera tendo no mastro a bandeira dos piratas. Eram homens intrépidos, viajantes dos sete mares. Encantados com a visão das praias, eles resolveram desembarcar. Desceram um escaler com o temido capitão pirata holandês Spielbergen e dois marujos cruéis.

_Muito feios?

_Assim...- Ela fez uma careta.

_Vó! Que medo!

Os nativos pensavam que os ilustres estrangeiros estivessem de passagem, para abastecer a tripulação de bucaneiros com bananas, peixe, água e farinha de mandioca. Ledo engano. Spielbergen o pirata, queria mesmo era tomar posse da terra da Caridade e Liberdade e fundar a Nova Holanda.
_Que fizeram os nativos? Mataram os piratas?
_Melhor do que isso. Foram orar.
_Rezar! - desabafou decepcionado e abanando a cabeça. _Essa não.
_Sim. Sabiamente abandonaram a cidade e subiram o Monte Serrat, pedindo a Nossa Senhora um milagre.
_Que milagre?
_Que Spielbergen abandonasse a cidade.
_E Nossa Senhora atendeu?
_Sim. Quando os holandeses viram que tinham perdido as mordomias de cama, comida e roupa lavada de graça, perceberam que a vida ia ser muito dura, desistiram.
_Que bom, né vó?
_É... mas ainda tentaram... tentaram subir o monte e foram "recebidos" por um desmoronamento. Então, no dia oito de setembro, o povo, do alto do Monte Serrat, avistou a magnífica galera de Spielbergen desaparecer no horizonte. É por isso que dia oito de setembro é o dia da Padroeira da cidade, e as famílias sobem o Monte Serrat para se confraternizar, rezar e soltar fogos de artifício.
E chega de conversa fiada.
Ela, segurando minha mão, caminhou pelo corredor e abriu a grande porta de entrada que tinha duas pequenas janelas. Descemos a escadaria do sobrado em direção ao ponto de parada do bonde 5.
Amarcord. Eu me lembro.
Osmar Gomes da Silva - autor de "Rumo ao Paraíso e Outras Paraísos".


CONVERSA NA CATEDRAL OU DEUS LHE PAGUE!

Falavam em voz baixa, como para não serem ouvidos (mas com muito respeito).
_Pelo visto, hoje você faturou bem.
_Graças a Deus.
_É todos os dias assim?
_Sim. Todos os dias.
_Você esta há muito tempo nisso?
_Uns cinco anos.
_Então já estás rico?
_Não. Hum!...Bem de vida.  
_Por que não te aposentas?
_Para que? Se eles precisam de mim, e de você também -disse murmurando e tocando-lhe o ombro.
_Não entendi.
_Eles ficam felizes quando fazem uma boa ação.
_Quem dá aos pobres empresta a Deus. É isso?
_Ah! Agora estás me entendendo.
_É só por interesse?
_Sim. Eles são pecadores diários. Nos olham com ternura. Necessitam de ilusões diárias.
_Então nós vendemos a felicidade.
_Exatamente.
_Mas é uma grande ilusão. Eles se alimentam de ilusões?
_Sim, Eles são todos infelizes ou temem a infelicidade.
_É isso. Nós somos úteis, assim como uma necessidade social?
_Nem sempre. Às vezes eles nos recolhem aos albergues. Querem limpar a sujeira.
_Bem, mas somos a sujeira que eles produziram. Não representamos ameaça.
_Lá isso é verdade. Deixamos de lutar  -asseverou, encolhendo os ombros.
_Posso fazer uma pergunta? Espero não ofendê-lo -inquiriu com delicadeza.
_De maneira alguma, meu caro Bafo. Faça.
_Por que recebes mais esmolas do que eu?
_ Você quer dizer, sobras, o resto?  Vejamos  -disse examinando-o detidamente. -  Estás fedido, sujo, barbudo, maltrapilho, mal-acabado. Abra a boca, por favor,... dentes podres. Cheiras mal.
_Sim.
_Diga-me. Como esmolas?
_ “Me dá uma esmolinha pelo amor de Deus”.
_Assim, apertando os dentes, é que falas.
_Tenho vergonha. Dentes eu não tenho, já sabes  -disse mostrando as gengivas.
_Bem, dois erros graves. Primeiro, eles não gostam de gente fedida e alcoólatra. Tem nojo, sabes? Aspecto de desempregado é melhor. Segundo, você usa mal as palavras. Fome! Você tem que falar em fome. Percebes? Impressiona. O país está cheio de famintos e desempregados Entendeu?
_Mas, e o Fome Zero do Lula? E a cesta básica?
_Ra! Ra! Ra!Colocou as mãos na boca desdentada e olhou para os lados temeroso pelo comportamento inadequado.
_A partir de amanhã mudarei meus hábitos e palavras.
_Ficarás rico.
_Quer dizer que somos mais inteligentes do que eles?
_Não! Isso não. Ao contrario. A diferença é que eles têm medo e nós não.
_Medo do que?
_Do invisível.
_ Como assim?
_Sim, medo moral das coisas invisíveis. Medo do dedo de Deus. Eles compram o perdão dando esmolas e adiam a revolta dos miseráveis como nós.
_Hum!
_A fila dos pagadores de promessas é infinita.
_Por que?
_Infelicidade e superstição.
_Diga-me aonde você apreendeu tantas coisas?
Tirou os óculos, que lhe dava um ar de intelectual, limpou as lentes na fralda da camisa encardida, e passou a mão nos brancos cabelos piolhentos, crespos, desgrenhados. Olhou para o outro. Tinha os olhos empapuçados. Completou:
_Vamos?  A igreja já está vazia! Todos se foram! -Levantou-se com dificuldade.
_Sim, professor! Vamos.
Eles fizeram o sinal da cruz e saíram trôpegos pela porta lateral em direção a rua.
Desapareceram na multidão da Praça José Bonifácio.
Osmar Gomes da Silva - autor de "Rumo ao Paraíso e Outras Histórias".


MAFALDA MAGRELA...MAGOADA.

Uma fila bizarra. Não uma fila de desempregados, tão comum. Todos encostados junto à parede de pedras daquela antiga “Casa Prato da Sopa Celestial”. Eles e elas esperavam entrar e fazer  a refeição do dia, apesar da tarde-noite. Aproximando-se por curiosidade e fome, ela se encostou à parede.
Passou a ser a última.
“Bem, esta fila não é para ver o bispo!” - pensou. Em seguida, chegou um velho de rosto pregueado e desdentado. Virou-se, e perguntou-lhe dissimuladamente:
-Senhor, por favor, para que a fila?
O velho, com ar de deboche, abriu a boca murcha. Fechou a mão juntada nos dedos, fazendo movimentos de vai e vem em direção ao buraco vazio. .
“Acho que ele é mudo!”.
-Papinha... papar!- Entendeu, senhora madama? -disse cuspindo, com uma expressão que relembrava o Palhaço Arrelia.
-Ah! Entendi.
Depois, se aproximaram alguns maloqueiros. Sujismundas, pernetas, manguaceiros, fumetas, trombadinhas...também. Quando olhou para trás estava no meio de uma serpente humana que se arrastava como cobra pelo chão (palavras do Gil) entrando pela porta estreita, descendo as escadas em direção ao refeitório. Seres humanos. Sim, homens de barba crescida com cabelos molhados, penteados ou empastados, puxados, esticados, raspados, piolhados...e fedidos pivetes. Velhos caminhando com dificuldade, e mulheres de olhos cansados, descadeiradas com a boca vermelha, vestidas de trapos.
O comedor ficava na parte inferior. Espaço amplo com mesas retangulares e bancos de madeira rústica. Eles, caminhando para nunca chegar, foram entupindo o salão, sentando de frente, lado a lado, se acomodando, se ajeitando. Alí sentada, tímida, envergonha, massacrada,  molambada.... ficou esperando. Olhou de um lado para outro. Não sabia o que viria em seguida. Seus delicados ombros sentiam o contato apertado de ombros ossudos e, no ar, um cheiro azedo. De frente, o velho com sorriso simpático na boca murcha em cara pregueada. Sobre a mesa, pães que muitos já começavam a arrancar nacos e comer. Havia um silêncio respeitoso em todo o salão.
Mafalda Magrela, tirou os óculos e esfregou a mão nos olhos remelentos. Estavam úmidos!
Ela vinha de um rumoroso caso com Bacia Bagaço, lá no almoço dos Miseráveis do Valongo. Bacia foi visto dando uns “amassos” na Margrete. A notícia se espalhou, e Mafalda, magoada, tinha sido incisiva: “Prá mim chega, já sofri demais”
O silêncio foi interrompido por um murmúrio geral quando no portal surgiu um santo homem, com um sorriso santo, vestindo um longo hábito marrom e sandálias. Saudou-os em voz alta tonitruante – “Irmãos e irmãs comam em paz!”.
Terminada a refeição, levantou-se calmamente, olhou tudo. Não havia mais ninguém! Ela, a solidão e as moscas. Subiu as escadas. Ganhou a rua e desapareceu entre os iguais.
Era a primeira vez que participava da Sopa Celestial. Era simpática, apesar dos cabelos desgrenhados. Mas, não deixava de ser uma Mafalda Magrela.
Nunca mais voltou, nem mesmo para visitar a Capela do Divino Sofrimento.
Osmar Gomes da Silva - autor de "Rumo ao Paraíso e Outras Histórias".

O CARROCEIRO DA GENERAL CÂMARA 

A dificuldade de locomoção do Caco Velho aumentava. Ele arrastava a perna, a ferida estava aberta. Sentia dores. Mona (a cadela) percebia e sofria, ficava deitadinha olhando triste para ele.
_Mona! Você acha que devo pedir esmolas?
_Bem, você precisa comer, saco vazio não para em pé, não é mesmo?
Mas, não teve coragem de se mexer, sentia cansaço, prostrado, ardia em febre.
Às sextas-feiras, como sempre depois de fechar o salão de beleza da General Câmara, Paulão e Rubinho passavam cheios de trejeitos. Paulão desconfiou que as coisas não estivessem bem e, ao levantar a cortina improvisada que mantinha a privacidade de Caco e Mona embaixo da carroça, ficou nervosíssimo.
_Mas Caco, pelo amor de Deus! Rubi! Rubi! Venha ver o estado deste homem!
_E esta pobre Mona em pele e osso!- disse Rubinho pegando a cadela.
Quanta pulga! Santa Madalena! Ah! Sai, sai - e em seguida lançou-a para junto de Caco Velho, enrolado no cobertor sujo na suja calçada.
_Trouxe pão com carne moída. Vamos, coma, coma!  - Paulão insistia entregando o lanche. O braço saiu da escuridão com a mão aberta e recolheu o pacote. Eles não ouviram a voz e não viram o rosto inchado e barbudo do infeliz. Saíram gesticulando, lamentando a situação e foram direto ao posto do SAMDU da Xavier da Silveira.
_Por favor, queremos falar com o médico de plantão.
_Não temos ginecologista a esta hora - respondeu o atendente do guichê em tom de deboche, olhando para o enfermeiro seboso de suor e barbudo sentado ao lado.
_Escuta fedelho! - disse levantando uma sobrancelha pintada _ O caso é sério e não estou pra brincadeiras - Paulão ficou indignado com o pouco caso.
 _Deixa, que eu cuido da boneca!- retrucou o enfermeiro seboso, tomando a frente do atendente debochado. 
_ Boneca é a mamãezinha, oh seboso! Vem aqui fora pra apanhar! Vem!
O enfermeiro, de avental encardido, pulou a divisão de madeira que os separava da sala de espera pronto pra esmurrar os moços delicados. Mas, o que se viu foi rabo de arraia e rasteira pra todo lado e o enfermeiro não parava em pé. O atendente saiu correndo em direção ao posto policial. E o pau comendo. Rubinho, de boa paz, escondeu-se atrás da pilastra dando gritinhos.
_Dá nele! Dá nele! Paulão.
Com o alvoroço e gritaria na sala de espera, o médico finalmente apareceu e de imediato foi em defesa do colega. Paulão socava o enfermeiro. Paramentado em branco puro, impecável, o doutor agarrou Paulão pelo pescoço puxando-o em direção à porta. Os três rolaram pelo chão e foram parar na sarjeta imunda. O médico agora todo sujo, emporcalhado, amarrotado, esculachado, também saiu correndo em direção ao posto policial, quando dois policiais e mais o atendente vinham em socorro.
_Só vocês dois?- inquiriu descabelado e emporcalhado.
_Que é que há doutor? Quer entrar na borracha?
_ Não é isso não. Ninguém pode com a “mocinha”. É um touro!
_ É o que vamos ver.
Entraram duros com o cassetete a fim de acabar com Paulão, mas acertaram o enfermeiro. Aconteceu o esperado, sobrou pernada pros “meganhas”.
Capacetes rolando e “meganhas” em disparada!
Paulão e Rubinho aproveitaram a debandada, entraram na rua do cemitério do Paquetá e dispararam em direção ao Mercado.
_Corra, desajeitada, corra!
_Não aguento. Pra onde vamos?
_Sabe a maloca do Bafo? Vamos dormir com ele.
Bateram na porta do porão. Foi Jesus quem abriu.
_Deixe-nos entrar Jesus, os “milicos” estão atrás de nós.
_Depressa!
_Onde este Bafo?
_Lá no fundo.
_Bafo! Bafo! Podemos dormir aqui?
Os olhos de Bafo brilharam no escuro para Jesus que, com um sorriso sacana, fez um sinal de positivo. Ele trancou a porta.
Naquela noite tumultuada, Paulão e Rubinho dormiram quentes com Bafo e Jesus.
Em volta da carroça de Caco Velho alguns curiosos da noite e estivadores comentavam a situação do infeliz. Mona uivava, raspava as patinhas na calçada e voltava para dentro da cafua.
Bafo levantou a cortina que cobria a carroça e viu Caco inchado, fedendo a urina, agonizante. Mona tentava reanimá-lo, lambia-lhe a cara barbuda.
Jesus pôs a mão em sua cabeça, passou sobre aqueles olhos inchados, que se fecharam.
Celestino “Caco Velho”, cabra da peste, caco de pente, caco de espelho, caco de vida, exalou um suspiro dorido rumo ao Paraíso.
Saiu do IML em caixão de terceira, enrolado em lençol adornado por flores amarelas compradas por Paulão e Rubinho.
Foi enterrado em cova rasa no Areia Branca, na presença de Bafo, Jesus, Mafalda, Galo-cego, Paulão, Rubinho e Mona.  
Osmar Gomes da Silva - autor de "Rumo ao Paraíso e Outras Histórias".

RIFIFI NO SAMBA DANÇAS - Episódio 1.

Na calçada que o Toninho Navalhada passava, Peixinho não pisava. Ouvia-se em todo canto do bairro. Ele estava jurado de morte. Tudo começou no Samba Danças, o dancing da General Câmara, quando Navalhada deu um flagra  no Peixe dando em cima da Isaura.
 O salão estava cheio. O show da noite era com crooner Leila Silva cantando os sucessos do Nélson Gonçalves. As meninas, vaporosas e perfumadas, ficavam  sentadas em volta do salão e quando tiradas para dançar picotavam os cartões. Ganhavam por dança e por whisky falsificado que o freguês bebesse. Peixinho, Badalhoca e o Papagaio chegaram por volta da meia noite, encostaram-se no americanbar e começaram a beber. Peixinho não tirava os olhos de cima da Isaura. A dengosa levantou a sobrancelha, bateu os cílios duas vezes, sorriu e tímida abaixou a cabeça. Foi o que bastou pra ele avançar eufórico.Tirou  Isaura para dançar, enlaçou-a pela cintura. Os dois se esfregando e meneando e ela picotando boleros, mambos, sambas e tudo mais que a orquestra do Mario Folganes Show tocasse. A boataria logo se espalhou e não demorou para o Bacalhau, cupincha do Navalhada, sair à procura do mais novo corno do Samba. Ele bebia umas e outras no bar do Carioca.
_Então aquela vadia  tá se esfregando com o Peixinho?
_Não, não é isso não. O vagabundo é que tá dando em cima. Tu pensa que é teu camarada? Abre  o olho irmão, e  passou a mão na testa do Nava.
_ Vou dá um corretivo naquele cara pra ele não esquecer que mulher de amigo é padre!
_Padre! Os olhos do Bacalhau pareciam olhos de coruja espantada.
Bateu a mão no bolso de trás. Sentiu a peixeira e saiu cuspindo e vociferando pela rua. Subiu as escadarias aos berros de filho disso, filho daqilo,  invadiu o salão grená à meia luz procurando o desafeto. Foi porrada prá todo lado, cabeçada, rasteira, rabo de arraia. “Fechou o tempo na casa da Nóca”. A mulherada desceu as escadas gritando. Papagaio rolou socando o Bacalhau. A Isaura levou uns safanões e o maestro Folganes levou uma cadeirada; Peixinho não foi encontrado. Quando ouviu o quebra-quebra estava no banheiro, saiu pela janela pulando no telhado da loja de armarinhos do Tufik e ganhou a rua.
As semanas se passaram, o carnaval chegou, tudo parecia ter acabado na santa paz, mesmo porque eles desfilaram nas Viúvas Alegres da rua João Guerra, numa boa.
Manhãzinha chuvosa. Ressaca geral. Primeiro, o boato boca à boca. Depois a verdade!
_Peixinho tá morto com a boca cheia de formiga em frente ao Chave de Ouro.

RIFIFI NO SAMBA DANÇAS- Episódio II

As exéquias do infeliz foram realizadas no velório da Santa Casa em caixão de primeira, tudo pago pelo Sindicato. Como estivador de carteira preta tinha direito àquelas mordomias.A categoria baixou em peso prestigiando o companheiro. Todo o mundo suspeitava do Navalhada.A lei do silêncio imperava.
A verdade verdadeira foi revelada pelo Mocorongo pro Careca, Jóca, Papagaio e Badalhoca, que se revezaram durante a noite/ madrugada na vigília do defunto, bebendo a branquinha e fumando uns pacaus. Falava baixo, mas gesticulava agitado...
 “Sabe! Peixinho chegou empombado lá na cantina do Mercado, tudo por causa das muambas que ele tinha aliviado no porão do Madagascar. Coisa boa parceiro! Morô! Tava tudo pronto pra desovar do outro lado do navio, quando “caguetaram” pra guarda marítima. Peixinho ficou doidão. Depois de fumar uma bomba resolveu descontar no Portuga. Entrou batendo os cascos. Ele sabia que o lusitano era compadre do Navalhada,morô?
Puxou o 45 cano longo e botou na cara do Portuga. Todo mundo ficou embasbacado só olhando a audácia do abusado.
-“Tu vai morrê Portuga lazarento”. Escorria cuspe pelo canto da boca.
-“ Oh! Senhor Peixinho, não tenho culpa se te fizeram male”. Ele tremia segurando a garrafa de Morrão.
-“Não gosto da tua cara. Tu vai morre agora, e depois o puto do teu compadre”. Balançava o berro de um lado para outro.
Como um azougue, o Portuga se abaixou, pegou o berro cano longo do Navalhada e descarregou por trás do balcão de madeira. Fininho virou uma peneira, cheio de buracos. Dali mesmo, eu e o Portuga pusemos o presunto na carrocinha do Bafo e desovamos em frente ao Chave de Ouro pra despistá, moro?”
Dia seguinte, no salão funerário adornado com coroas de flores e faixas, antes do papa defunto fechar o esquife e o padre encomendar o corpo, entrou Navalhada. Silêncio e murmúrio. Vestindo calças de linho branco, camisa de seda preta aberta no peito e sapatos duas cores, foi abrindo espaço até o caixão. Ali, Peixinho adornado com flores brancas e um leve sorriso no rosto ceráceo. As mãos sobre o peito. Nava olhou, abanou a cabeça, fez o sinal-da-cruz, deu uma escarrada no chão, virou-se e saiu por onde entrou.
O cortejo funerário formava uma longa fila de Fuscas, Gordines e até um Simca Chambord. Na praça ao lado da entrada do necrotério do Saboó, podia-se ver figuras ilustres formando grupos de comentário, lamentação e espinafração.
Duas dançarinas do Samba Danças, de luto, conversavam com o Sete Pulinhos sobre a tragédia. A turma da Borges chegou em peso para prestar sua última homenagem. A presença do Paixão e seu trombone era esperada. Peixe Bagre comentou que ele, Badalhoca e Arildo sairiam direto do bar do Gordo para as homenagens finais e que entre as músicas fúnebres escolhidas poderia ser executada “Vai Que Depois Eu Vou”, cantada por um coro de vozes formado pelo Arildo, Badalhoca e ele próprio.A expectativa era grande.
Entretanto, devido ao lamentável estado etílico que estavam quando chegaram, Peixinho foi enterrado ao som do “Mamãe eu quero Mamar”.(Não houve o vocal!). Paixão,de pé, na beirada da tumba, soprava as notas finais, quando, empurrado pelo Badalhoca que balançava de um lado para o outro,  tropeçou e caiu na cova. Como era um crioulo pesado, foi retirado do buraco pelo coveiro, Jóca e Papagaio. Aquele pequeno tumulto foi muito comentado. Depois de jogada a terra santa, todos rezaram um Pai Nosso.
_Morreu muito novo! Vai deixar saudades!
_Fanchona, sempre acaba mal.
_Safado! Já foi tarde.
_Que Deus o tenha!
_Valente, termina na linha de frente.
Mal sabiam eles que o Portuga de Trás-os-Montes, vestindo terno preto e rosário nas mãos, encostado na carneira ao lado, fazendo som de vespa, pedia clemência aos céus para não ser devorado nas chamas do Inferno. 
Osmar Gomes da Silva - autor de "Rumo ao Paraíso e Outras Histórias".



O ANIVERSÁRIO DA TIA LOLA NO CLUBE ESPANHOL

Vestiu-se. Olhou-se no espelho, alisou os últimos cabelos crespos e ficou satisfeito com o visual. Barbeado e perfumado. A camisa nova. Cor da moda. Calças de linho branco e sapatos engraxados. Desceu para o estacionamento. Entrou no fusca amarelo e acelerou em direção ao apartamento da Jujú.
 Estacionou em frente. Olhou-se no retrovisor-”Estou nos trinques”–pensou. Desceu, fechou o carro. Tocou o interfone. A voz avisou _ “Pode subir”. Eram dois andares até o apartamento.
Entrou. Dona Dú estava chique, esperando sentada no sofá da sala de jantar. Sentou-se ao seu lado. Virou-se para ela e sorriu. A futura “sogra” virou o rosto.
“Hum! Aí tem”, pensou.
 Jujú demorou a aparecer, porém, quando surgiu na porta do quarto de vestir, toda linda, ele levantou-se e sorriu satisfeito. Aproximou-se para beijá-la. Mas Jujú estava indiferente. Evitou-o. Seria para não borrar a maquiagem? Alguma coisa estava errada. Aquela cara de poucos amigos...  “Que diabos mordeu essa mulher!”.
-Então, vamos? Ela acenou com a cabeça. Todos desceram para o carro.
-Meu bem, é melhor você dirigir. Você sabe, estes óculos me atrapalham á noite - disse.
-Você precisa voltar para o oculista... Outro problema é sua voz... Muito alta!
-Como assim? Ficou intrigado. 
-Voz alta!
-É. Você fala muito alto. Machuca meus ouvidos. Pode ser que você esteja ficando surdo. Marque uma consulta com o médico de ouvido.
Dona Dú observava tudo e ficava muda como um poste!
“Quanto mais você faz, menos te consideram. Ou melhor, você faz tudo e quando deixa de fazer algo, a “casa cai “.
  “O que eu fiz de errado?” - Ganso remoía pensamentos. Olhava a Jujú, ela estava com uma tromba de metro.
Estacionou na avenida Ana Costa, próximo ao clube.
Ali fora, na calçada, ouvia-se a orquestra. Osmar Milani Show! Gente elegante chegando. Era quinta-feira. Lua Cheia. Baile do Clube Espanhol.   Agora, a orquestra tocava mambos. Ele adorava mambos! O salão já estava cheio de casais dançando. Encontraram a mesa reservada. A família reunida. Tia Lola feliz. Sentaram. Ele olhou para ela, Jujú estava demais, ele a amava, não era para menos, tudo que ela pedia, conseguia! O anel de falso brilhante, o casaco de courin (imitação de couro), as viagens para Cubatão...”Mas aquela cara. Alguma coisa estava errada”. “Que bicho mordeu essa mulher.” “Será que eu fiz algo errado?”.Procurou lembrar os últimos fatos. Nada. Remoeu aquele cérebro velho. Nada!
 “Deixa pra lá”, pensou.
- Vamos dançar meu bem?- disse com voz melosa e sorriso amarelo.
-Não! Estou cansada, a resposta veio seca.
  Passou o braço envolta da cadeira para abraçá-la, tocar-lhe os ombros. Um carinho. Jujú deu de ombros. Sentia-se incomodada. 
_Parabéns à você! Nesta data querida. Muitas felicidades, muitos anos de vida!
Todos em coro:
__Parabéns à você! Nesta data querida. Muitas felicidades, muitos anos de vida!
Apareceu o mulherengo do marido da Tia Lola trazendo o bolo de aniversário acompanhado da Dona Dú e a parentada em fila, caminhando e cantando por entre as mesas do salão. Deu a impressão que o baile tinha parado no tempo!
Agora a orquestra atacava de sambas. Ele também adorava sambas! Então ela se levantou.
“Agora sim, finalmente ela vai dançar” -pensou. Voltou a ficar feliz.
-Então meu bem vamos dançar?
-Será que não posso ir ao toalete sozinha! – ela gritou  nervosa.
Subitamente ele não ouviu mais a orquestra. Aquele zumbido, o tempo parou, a cabeça latejando, rodando...rodando...rodando...
-Tu vai dançar agora ou vou te encher de porrada! – disse no ouvido dela.
_Vou te encher de porrada! Berrou, berrou mais alto e empurrou a Jujú para o salão.
Aquele troglodita pré-histórico adormecido voltou a incorporar no manso Ganso! Acreditem! O maior bafafá que já se teve notícia bombou no Clube Espanhol.
Som do Bafafá:
_Blá, blabla! Ra, tratrá. A mãe! Zás traploc! Cobras, lagartos, piranhas que a pariu! Ploc! Plac! Katum!
_KrasxTracatrazum! Blablablablabla! Tracatum!
_KrasxTracatrazum! Blablablablabla! 
_Suma da minha frente grosseirão! Pernas pra quem te quer!
Osmar Ganso saiu em disparada pelo salão. Desceu a escadaria, perseguido por uma turba, com o mulherengo marido da Tia Lola pronto pra esmurrar o infeliz. Entrou no fusca amarelo, deu a partida e sumiu na avenida úmida pelo orvalho da madrugada. A lua branca e cheia sorria.
Jujú era tão sedutora! Ganso a amava muito. Pena! Tudo terminou na festa de aniversário da Tia Lola no Clube Espanhol.
Osmar Gomes da Silva - autor de "Rumo ao Paraíso e Outras Histórias".

Nenhum comentário:

Postar um comentário