quarta-feira, novembro 03, 2021

O Ipê e a Amizade

 


“Não há florestas de ipês. Há ipês nas florestas. Um aqui, outro lá... Como não há multidão de amigos. Há amigos na multidão. Raros, consistentes, mas poucos. O ipê marca sua presença na paisagem, como o amigo marca sua presença na memória... No ipê, a flor é frágil e passageira. O tronco é sólido e resistente. O tronco é a alma. A flor é a palavra. No amigo, mais que na palavra é na alma que se apoia o coração que busca. Mais importante que aquilo que diz é aquilo que é... O ipê chama a atenção, mas não se exibe. Cumprida sua tarefa, ele se perde na vegetação que o cerca. Com humildade e discrição.

É assim o amigo. Presente na hora exata, não alardeia a amizade que oferece. A amizade é uma sintonia do espírito. Não é um cartaz colado na testa, nem um rótulo fixado no exterior.

O ipê nada pede. Nasce espontâneo e não fica a exigir cuidados.

Como o amigo, que não é interesseiro. Porque amigo que se move em troca de favores não é amigo. O amigo nunca deve e nunca cobra. Ele apenas é. E nisso está sua característica. O amigo não se deixa vencer em generosidade. A prestatividade e a solicitude são para ele como o respirar. Brotam do seu ser com a naturalidade que nunca parece exigir esforço, sem aguardar retribuição.

Entre tantas lições que nos dá o ipê, esta, a da amizade é das mais preciosas. Não é rico, porque não tem frutos. Consegue ser amado por aquilo que é e não por aquilo que tem...

Ele vem dizer, todos os anos, que a amizade é um tesouro. Como o ouro da cor que o reveste... esse mês, quando o ipê retorna, é o mês que me lembra o melhor amigo que tive: meu pai. Que me habituou a valorizar as coisas sólidas e consistentes, perenes, com as quais se pode contar. Que a traça não corrói e a ferrugem não desgasta. Que começam na terra e passam para a eternidade.

Cultive a amizade. Ela dura sempre. Os aplausos fugazes morrem e os elogios vazios desaparecem. Mas ela é forte como o tronco do ipê. É como a vida que não desiste. É o suporte de todas as outras coisas. E dá valor a todas elas”.

Trechos do livro "O Tomate, O Ipê e Outras Histórias", do padre João Baptista Zecchin.

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