quarta-feira, dezembro 09, 2009

 A música vai à terapia.
 Eu já me encontrava no consultório da doutora Ana Lisa, após haver entrado, cantarolando, pela porta  lateral no muro de pedra do antigo, mas bem conservado, sobrado. Um local tranqüilo, rua de pouco movimento.
O ambiente talvez um pouco frio, decoração simples mas agradável. Paredes quase nuas, cobertas com alguns quadros: diplomas, figuras abstratas, e uma foto em preto e branco da doutora, com aquele sorriso enigmático que já comentei com vocês. O divã marrom, já meu conhecido há alguns anos e um tanto quanto esmaecido, estava me recebendo e acomodando um corpo já necessitado de alguns cuidados posturais.
- Bom dia seu Dedé. – ela me cumprimentou secamente, sentando-se numa poltrona junto à cabeceira do divã.
- Bom dia doutora, como vai, tudo bem?
- Eu estou ótima, e o senhor, tem conseguido trabalhar bem a emoção e a razão?
- Difícil, muito difícil. Acho até que fiz algum progresso, mas esse é um equilíbrio que poucas pessoas conseguem e eu, confesso, não estou entre elas.
- Em parte concordo com o senhor mas, na medida do possível, devemos tentar ao menos conseguir dosar o emocional, para que o racional não seja colocado à parte nas decisões que precisamos tomar. A terapia segue por esse caminho, ouvindo...fazendo o paciente falar, até que ele vá, como se diz, ao fundo do poço e então, vamos encontrar a origem de muitos problemas.
A doutora falava e eu, continuava pensando se deveria contar pra ela ou não, o que estava acontecendo comigo há alguns dias. Era uma música que não saía de minha cabeça! Sem mais nem menos, eu me pegava cantarolando e até falando a letra! Não resisti mais tempo e abri o jogo:
- Doutora, faz uns dias que uma música insiste em vir à minha boca. Não tem hora não, de manhã, tarde ou noite me surpreendo cantarolando, assobiando. Coisa estranha não?
- É... pode ser, ou não. Se o senhor ouviu muito essa tal música, ela está gravada no seu subconsciente e é até normal que ela volte à sua lembrança e daí pra suas cordas vocais. Caso contrário, o assunto é mais delicado.
- Pois eu acho, doutora Ana Lisa, que o meu caso é a segunda opção. Ouvi poucas vezes, nada muito repetitivo e é exatamente por isso que estou comentando.
- Mas afinal, que música é essa? -perguntou a doutora já com uma expressão não muito calma.
- É uma do Raulzito, o Raul Seixas...
- Sim, e daí... – ela mostrava ansiedade na voz.
- Diz assim: “Enquanto você se esforça pra ser um sujeito normal e fazer tudo igual... Eu do meu lado, aprendendo a ser louco, maluco total, na loucura real...” - e, pra minha surpresa, ela completou:
-“Controlando a minha maluquez, misturada com minha lucidez... Ah! Dedé, estou quase desistindo. O senhor é um caso praticamente sem solução, já está se tornando um “maluco beleza”. Precisamos aumentar a dose. Semana que vem conversaremos mais, seu horário terminou.
 E enquanto saía, ainda pude ouvir a doutora cantando baixinho:
-"Vou ficar, ficar com certeza, maluco beleza; eu vou ficar, ficar com certeza... ..."


Um comentário:

  1. Muito boa, acho que esta era aquela conversa que não consegui visualizar naquele dia fatídico, de qualquer forma, muito boa a conversa com a Doutora. Filosofando em cima do seu conto tenho tido a impressão que somos todos loucos e que tentamos controlar a nossa maluques para, pelo menos, parecermos lúcidos. É fato que controlar a emoção e a razão é um feito complicado de se atingir, de qualquer modo, como acredito que somos todos um pouco malucos e vendo as maluquices que se materializam cada dia mais em nossas vidas, como mensalões e coisas do tipo, acho que beiramos mais a normalidade do que a loucura. Acredito que existem ferramentas que nos possibilitam viver mais dentro desta normalidade, tais como: tentar lapidar sempre o nosso interior, tentar se colocar no lugar do outro, tentar perceber o verdadeiro motivo de uma atitude de um terceiro, mesmo que esta se mostre contrária a nossa intenção etc. Pro fim. acredito que a preocupação com a outra pessoa é a chave para se manter beirando a normalidade e controlar a emoção e a razão, contudo, é fato que isto é complicado, mas o bom é que sempre é tempo de iniciar uma tentativa. Abraços.
    Anselmo

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