domingo, julho 13, 2014

A COPA NO DIVÃ.


- Lembro sim. A de 1958 ouvi pelo rádio, ainda na casa da rua Borges, 126, na Vila Macuco, em Santos. Recordo a festa que fizeram na final, os fogos de artifício, as pessoas comemorando a vitória dos nossos craques na Suécia. O Brasil, campeão do mundo pela primeira vez. Os mais chegados à uma bebidinha se reuniam na esquina com a 28 de setembro, no bar do Santiago ou no Aliança, um em frente ao outro, separados pela rua e pelos trilhos do bonde.
Deitado no divã da doutora Ana Lisa, minha terapeuta, eu respondia à pergunta sobre qual a Copa do Mundo inesquecível para mim.
- Inesquecível, doutora, talvez porque não vi, ouvi pelo rádio e imaginei. Einstein disse que “a imaginação é mais importante do que o conhecimento”, não é isso?
- É verdade seu Dedé, gostei dessa  – respondeu, quase a sorrir.
Fazia algum tempo que eu não ia ao consultório e lá estava eu, justamente nesta época e com o Brasil fora da final.
- O senhor acompanhou os jogos, ficou nervoso?
- Assisti sim a quase todos e, quando era jogo da nossa seleção, não tinha jeito... os nervos também entravam em campo.  –Respondi, já esperando pela bronca.
- Mas o senhor sabe que não deveria se envolver em demasia, não pode permitir que o futebol seja o estopim para uma explosão emocional.
- Difícil, muito difícil, doutora. Prá quem gosta do esporte é praticamente impossível ficar alheio. Ainda mais, houve aquele período pré-Copa onde os “coxinhas” jogavam futebol e política no mesmo gramado e deitavam falação: “Não vai ter Copa”, “A Copa no Brasil vai ser um fracasso”, “O Brasil não tem condição de fazer um evento desse nível”...
- “Coxinha?”  – ela perguntou um tanto intrigada.
- É, “coxinha”  - e não consegui conter um sorriso.  – “Coxinha” está sendo usado no sentido depreciativo. Uma referência às pessoas que preveem e veem tudo de forma negativa e criticam sem, na verdade, ter noção do que falam.  – expliquei de uma forma mais simples.
- Entendo  - disse, se fazendo de desentendida -  e agora, que tudo terminou, o senhor está mais tranquilo?
- Tranquilo sim e até com uma ponta de orgulho pelo sucesso do torneio em nosso país, mas não conformado. E a culpa é do técnico da jaqueta azul!
- Jaqueta azul?
- Isso, ele a usava nos jogos: um amuleto que acreditava dar sorte...
- Imagino se não desse...e mais, eu mesma que não entendo de futebol, sei que planejar, convocar os melhores, treinar, são requisitos indispensáveis para o sucesso na atividade esportiva.
- Ah, doutora, mas havia também os 7 degraus...
- O que seria isso?
- O técnico se referia aos 7 jogos da Copa, fazendo uma analogia à subida dos degraus de uma escada. Na teoria, um incentivo que, na prática, terminou mesmo em 7, nos 7 gols da Alemanha.
O silêncio tomou conta da sala e percebi que estava na hora de encerrar a conversa. Levantando-me do divã, percebi que ela sorria, como a concordar com o que eu havia dito.
- Até a próxima, doutora.
- Até, seu Dedé, só espero que não seja daqui a quatro anos...
Já na rua, caminhei em direção ao fim de tarde no clima melancólico do humilhante e inesquecível desempenho da seleção. Inesquecível sim, tal àquele de 1958, onde a imaginação deu o tom, mas não qual à esta onde, ao vivo, assisti à uma atuação lamentável, decepcionante, vexatória.  

4 comentários:

  1. Então seu Dedé...
    Assim como você, eu e milhões de brasileiros queríamos gritar "É Hexa"!!!!
    Vitória contemplou nossos "carrascos" (ainda não engoli os 7X1). Vitória do planejamento , da organização, e porque não dizer da humildade. Vieram aqui, ganharam a simpatia do povo, que diziam serem eles frios. Mostraram o contrário. Mostraram um bom futebol e mereceram muito esse título. Treinaram, se divertiram, jogaram! Não deu... seja por qual motivo for.
    A vida segue, meu amigo...
    Um abraço!

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  2. Confesso Dedé Gomes, eu fui coxinha, e ainda não acredito que no final das contas deu tudo certo. Não é complexo de vira-lata não. É que eu sei o governo que temos e gostaria que nem tudo dependesse do nosso poder de improvisação.
    Enfim, um excelente texto deste grande jornalista!
    Giovanna Piraino Prado

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  3. Não tem como não compartilhar um grande texto de um grande profissional! Dedé Gomes como sempre, um monstro do jornalismo.
    Yuri Cavalieri.

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