terça-feira, novembro 09, 2010

DE PEDRAS E CAMINHOS.

-Dra. Ana Lisa, prometo, só voltaremos a falar de política daqui a quatro anos, ou melhor, dois e isto se o tema estiver me incomodando.
-Ah!Sim, acredito seu Dedé mas, como sempre digo, o consultório da psicanalista comporta todos os assuntos, desde que eles estejam perturbando o paciente.
Era a primeira visita à doutora após as eleições. Já havia estado por lá pra pegar uma receita que pedi por telefone e que, gentilmente, ela deixou com a recepcionista.
Já devidamente instalado no divã, prossegui:
-Obrigado por ter deixado a receita pronta. Não sei se a senhora ficou sabendo, mas disseram que o estoque de antidepressivos nas farmácias estava se esgotando depois das eleições... - Pensei que ela fosse se fazer de desentendida, mas me enganei:
-A bem da verdade - ela disse, com firmeza -, o quadro depressivo comporta as duas situações seu Dedé, a euforia e a tristeza, elas ocorrem gradualmente, são as conhecidas oscilações de humor. É um transtorno não muito comum, mas acontece. Portanto, o medicamento poderá ser usado tanto para uma situação como para a outra, ou seja, para os que vibraram com a vitória ou para quem ficou decepcionado com a derrota. - Dizendo isso, ela cortou qualquer outra insinuação a respeito e mudei radicalmente o foco da conversa.
-Li, mas não lembro onde, uma frase que me deixou naquele estado de "penso, logo existo". Dizia que nós seguimos pelos caminhos que a vida nos traçou. - Percebi que, antes de comentar, ela se acomodou melhor na cadeira atrás de mim.
-E o que o senhor acha disso?
-A princípio não concordo, porque entendo que cada um de nós deve fazer o seu caminho, deve tentar seguir de acordo com sua vontade.
-Ah, mas não é bem assim seu Dedé.
-Como não?  - Perguntei surpreso.
-A bem da verdade, o caminho pode até já existir, mas por circunstâncias, contrárias, são tomadas novas direções, novos atalhos são criados.
-Mas então não é certo que aquilo que queremos conseguimos?
-É quase isso. Como já disse um genial poeta e escritor, há pedras no caminho e essas pedras, dizia ele, vamos recolhendo, juntando e com elas fazendo um castelo. Mas este castelo é simbólico. É um castelo feito com as pedras dos problemas, dos tropeços, do imponderável. Essas dificuldades, quer dizer essas pedras, deverão ser recolhidas, lapidadas e utilizadas na construção deste castelo imaginário, uma bela obra talvez, mas que evidentemente, nunca servirá de moradia.
Essas palavras da doutora fizeram com que, literalmente, eu colocasse os pés no chão - saindo do consultório - mas sinalizaram também o marco de uma nova caminhada.
-Telefono mais tarde marcando uma nova consulta. - disse na saída. E quando menos esperava, ouvi: 
-Só por curiosidade, o senhor fez uso do medicamento por qual das razões citadas no início de nossa conversa, euforia ou tristeza?
-Ah, essa resposta, infelizmente, nem a senhora nem os leitores terão. Afinal, o voto além de ainda ser obrigatório também é secreto.




"Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo... (Fernando Pessoa).

5 comentários:

  1. Bem seu Dedé... posso dar um "pitaco" na sua conversa e aproveitar a consulta?
    Acredito no livre arbítrio. Muito embora existam os caminhos, as variantes e tudo mais, a escolha é nossa. O que fizemos no passado reflete no hoje. O que fizermos hoje refletirá no amanhã e assim por diante. Se as escolhas são mal direcionadas, as pedras no caminho serão diametralmente maiores. Transpô-las, nos fortalece. As pedras são inevitáveis, mas espero que encontre flores à beira do caminho. Se não conseguir transpor as pedras, pelo menos contorne-as onde estão as flores.
    Um abraço

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  2. Anselmo disse.....
    Pena que nem sempre temos indicadores do que devemos fazer naqueles momentos inoportunos que causam certa tristeza em nossas vidas, momentos estes que não desejamos viver e eles, mesmo assim, se apresenta de forma corriqueira.
    Corriqueira pela importância dispensada em cada momento, ou seja, temos a tendência de nos incomodar muito mais com as coisas desagradáveis do que com as agradáveis.
    As desagradáveis demoram a sair de nossas cabeças enquanto as agradáveis permanecem apenas por aquele breve momento vivido.
    Mas a busca deve ser incansável no sentido de visualização do outro lado, do outro ângulo, pois só assim uma coisa aparentemente desagradável também terá a serventia de contribuir em algum evento futuro em nossas vidas. Acho que esta é a melhor forma de pegar as pedras do caminho para erguermos nossas choupanas ou palácios, conforme o caso e o gosto de cada um. De qualquer maneira, devemos igualar, no meu ponto de vista, as pedras aos aprendizados, o que vale dizer que somente com aprendizados é que poderemos erguer nossa edificação de forma coesa e forte. Em outras palavras seremos eternamente aprendizes de uma arte milenar chamada de “vida”.
    Anselmo

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  3. De tudo, caro amigo Dedé...cadas, fica-me a certeza de que, um dia, meu castelo estará edificado. Pedras pelo caminho é que não faltam e pela qualidade do material, que são os amigos, o resultado será magnífico. Pela conclusão da Dra. Ana Lisa (essa mulher é bárbara) ainda bem que tal obra nunca servirá de moradia. De que vale viver encastelado, mas distante da realidade, não é?

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  4. Oi Dedé!

    Nossa fiquei um tempo sem visitar seu blog.
    E quando entro encontro este testo lindo.
    Eu acredito muito no livre arbítrio.
    Mas as vezes não podemos brigar com o destino.
    Estas pedras com certeza faram alguma diferença lá na frente.

    Um Abraço,

    Vanessa Gomes

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  5. Grande amigo Dedé! Após um período ausente, voltou ao blog, justamente num momento em que avalio as pedras que enfrentei no decorrer deste ano. As grandes sempre nos trazem maior preocupação, por serem mais difíceis de ultrapassar, mas não podemos nos esquecer das pequenas, que quando desprezadas, podem nos causar feridas profundas e incômodas. O nosso livre arbítrio nos permite escolher qual caminho percorrer para atingirmos nossos destinos. Cada escolha pode significar uma trajetória maior ou uma mais simplificada.
    abração!
    Barba

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