Não havia se passado uma semana, e lá estava eu na
sala de espera do consultório da Dra. Ana Lisa, minha psicanalista, folheando
revistas médicas e outras mais antigas, inclusive “O Cruzeiro”, “Cinelândias”,
“Revistas do Rádio”... Cá entre nós, não sei de onde vem tanto mofo, talvez,
relíquias da família. De repente, abre-se a porta e surge a figura indefectível
da doutora, aquele olhar enigmático por trás das lentes de contato.
-
Bom dia, por favor, entre. - E antes que eu pudesse descansar meu corpo exausto
naquele já meu conhecido divã, ela adverte:
-
Pois é seu Dedé - às vezes ela era formal demais - não gostei nada de sua
atitude em nossa última sessão. O senhor saiu furtivamente e eu fiquei aqui
falando sozinha...
-
Bom dia Dra. Ana Lisa e perdão, a senhora, melhor dizendo, você – eu disse, querendo
retomar a informalidade - tem razão. Fui um tanto mal educado, reconheço. Fique
tranqüila, não tenho nada contra a terapia, mas havia um compromisso
profissional inadiável, já estava em cima da hora e...
- Certo seu Dedé, mas espero que isso não mais aconteça, afinal o nosso
compromisso, ou seja, sua terapia deve ter prioridade. Acomode-se.
Ajeitei-me o
melhor possível, semicerrei os olhos e aguardei.
- Pode falar, conte-me tudo! – Ela foi incisiva.
- Ah,
tantas novidades, ou melhor dizendo, dúvidas nascidas desses últimos
acontecimentos. Por exemplo: um deputado presidiário que não tem o mandato
cassado... o “épico” julgamento do mensalão... os embargos infringentes... a
espionagem norte-americana, tantas idas e vindas que me sinto até embargado,
não juridicamente é claro.
-
Entendo – disse ela – isso acontece de tempos em tempos. Como dizem atualmente,
é a fase. Esses debates, essas discussões, fazem parte do jogo democrático, não
se incluindo aí a corrupção e muito menos a intervenção do “Big Brother” do
mundo, dando uma espiadinha em assuntos alheios.
-
Sabe, tenho a impressão de que estamos sendo testados, colocados à
prova.
-
Tal e qual em sua vida pessoal, seu Dedé?
-
Isso mesmo. Tudo isso remete àquela conversa sobre existencialismo: o que
estamos fazendo aqui, por que estamos aqui?
O porquê disso, o porquê daquilo. Nos últimos dias – prossegui – medito,
dito a mim, seja lá o que isso quer dizer, buscando encontrar respostas, mas
volto sempre à estaca zero. Sinceramente, a única certeza que tenho é que a
verdade, nunca saberemos.
- Não
seu Dedé, essa certeza não é e não será a única, muitas outras virão no
decorrer do tempo. Veja bem, nossa conversa derivou dos assuntos políticos para
o seu lado pessoal, foi traçado um paralelo interessante, isso já é um avanço
em sua terapia. A propósito, lembrei de uma citação que pode levar o senhor à
uma boa reflexão sobre esses questionamentos: “Nada parece verdadeiro que não
possa parecer falso”.* Pense nisso.
Percebi que nossa conversa, por ora, havia terminado. Aliviado, me ergui e me despedi, certo de que a resposta aos
meus porquês poderia estar naquelas palavras. Ou não...
*Frase
do ensaísta, filósofo e escritor francês Michel Eyquem de MONTAIGNE.
(1533/1592)
As mazelas, as arbitrariedades e a impunidade no meio político também me levam a muitas indagações. Entre as questões que levanto: por que levamos ao poder certos representantes? por que só se faz política em causa e interesses próprios e raramente pelo bem comum? por que não pressionamos nossos representantes a realizarem as mudanças necessárias prometidas?
ResponderExcluirE se tentar, a exemplo do que você fez, estabelecer paralelo com a vida pessoal me pergunto: por que nos permitimos conviver com pessoas que não nos fazem e nem nos querem bem? por que somos mesquinhos e egoístas muitas vezes, pouco nos importando com o próximo? por que é tão difícil mudar maus e velhos hábitos apesar de sucessivas promessas e tentativas?
Na minha opinião a resposta para todos os nossos porquês se encontra bem dentro de nós. A dificuldade, me parece, é encontrá-la...