- Lembro sim. A de 1958 ouvi pelo rádio, ainda na casa da rua Borges,
126, na Vila Macuco, em Santos. Recordo a festa que fizeram na final, os fogos
de artifício, as pessoas comemorando a vitória dos nossos craques na Suécia. O
Brasil, campeão do mundo pela primeira vez. Os mais chegados à uma bebidinha se
reuniam na esquina com a 28 de setembro, no bar do Santiago ou no Aliança, um
em frente ao outro, separados pela rua e pelos trilhos do bonde.
Deitado no divã da doutora Ana Lisa, minha terapeuta, eu respondia à
pergunta sobre qual a Copa do Mundo inesquecível para mim.
- Inesquecível, doutora, talvez porque não vi, ouvi pelo rádio e
imaginei. Einstein disse que “a imaginação é mais importante do que o
conhecimento”, não é isso?
- É verdade seu Dedé, gostei dessa
– respondeu, quase a sorrir.
Fazia algum tempo que eu não ia ao consultório e lá estava eu,
justamente nesta época e com o Brasil fora da final.
- O senhor acompanhou os jogos, ficou nervoso?
- Assisti sim a quase todos e, quando era jogo da nossa seleção, não
tinha jeito... os nervos também entravam em campo. –Respondi, já esperando pela bronca.
- Mas o senhor sabe que não deveria se envolver em demasia, não pode
permitir que o futebol seja o estopim para uma explosão emocional.
- Difícil, muito difícil, doutora. Prá quem gosta do esporte é
praticamente impossível ficar alheio. Ainda mais, houve aquele período pré-Copa
onde os “coxinhas” jogavam futebol e política no mesmo gramado e deitavam
falação: “Não vai ter Copa”, “A Copa no Brasil vai ser um fracasso”, “O Brasil
não tem condição de fazer um evento desse nível”...
- “Coxinha?” – ela perguntou um
tanto intrigada.
- É, “coxinha” - e não consegui
conter um sorriso. – “Coxinha” está
sendo usado no sentido depreciativo. Uma referência às pessoas que preveem e
veem tudo de forma negativa e criticam sem, na verdade, ter noção do que falam. – expliquei de uma forma mais simples.
- Entendo - disse, se fazendo de
desentendida - e agora, que tudo
terminou, o senhor está mais tranquilo?
- Tranquilo sim e até com uma ponta de orgulho pelo sucesso do torneio
em nosso país, mas não conformado. E a culpa é do técnico da jaqueta azul!
- Jaqueta azul?
- Isso, ele a usava nos jogos: um amuleto que acreditava dar sorte...
- Imagino se não desse...e mais, eu mesma que não entendo de futebol,
sei que planejar, convocar os melhores, treinar, são requisitos indispensáveis
para o sucesso na atividade esportiva.
- Ah, doutora, mas havia também os 7 degraus...
- O que seria isso?
- O técnico se referia aos 7 jogos da Copa, fazendo uma analogia à
subida dos degraus de uma escada. Na teoria, um incentivo que, na prática,
terminou mesmo em 7, nos 7 gols da Alemanha.
O silêncio tomou conta da sala e percebi que estava na hora de encerrar
a conversa. Levantando-me do divã, percebi que ela sorria, como a
concordar com o que eu havia dito.
- Até a próxima, doutora.
- Até, seu Dedé, só espero que não seja daqui a quatro anos...
Já na rua, caminhei em direção ao fim de tarde no clima melancólico do
humilhante e inesquecível desempenho da seleção. Inesquecível sim, tal àquele de 1958, onde a imaginação
deu o tom, mas não qual à esta onde,
ao vivo, assisti à uma atuação lamentável, decepcionante, vexatória.
Então seu Dedé...
ResponderExcluirAssim como você, eu e milhões de brasileiros queríamos gritar "É Hexa"!!!!
Vitória contemplou nossos "carrascos" (ainda não engoli os 7X1). Vitória do planejamento , da organização, e porque não dizer da humildade. Vieram aqui, ganharam a simpatia do povo, que diziam serem eles frios. Mostraram o contrário. Mostraram um bom futebol e mereceram muito esse título. Treinaram, se divertiram, jogaram! Não deu... seja por qual motivo for.
A vida segue, meu amigo...
Um abraço!
Confesso Dedé Gomes, eu fui coxinha, e ainda não acredito que no final das contas deu tudo certo. Não é complexo de vira-lata não. É que eu sei o governo que temos e gostaria que nem tudo dependesse do nosso poder de improvisação.
ResponderExcluirEnfim, um excelente texto deste grande jornalista!
Giovanna Piraino Prado
Não tem como não compartilhar um grande texto de um grande profissional! Dedé Gomes como sempre, um monstro do jornalismo.
ResponderExcluirYuri Cavalieri.
E até a próxima Copa!! Belíssimo texto!!
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